Enquanto o Nordeste vê parte de seu rebanho ser aniquilada por
falta de comida, numa das piores secas da região, o Brasil se transforma no
maior exportador de milho do mundo. A situação, que à primeira vista pode
parecer um contrassenso, é mais um efeito devastador do caos logístico que
assola o País. Produto há. O que não tem é transporte para levar o milho do
Centro-Oeste para o Nordeste.
Hoje, apesar dos enormes congestionamentos nos portos, tem
sido mais fácil atravessar 17 mil km de oceano até a China do que transpor 3,5
mil km entre Sorriso (MT) e Recife (PE), por exemplo. Com a safra de soja à
plena carga e estradas em péssimas condições, os caminhoneiros se recusam a
levar o milho até as cidades nordestinas. Quando raramente aceitam, o preço do
frete dobra o valor do produto.
Uma das justificativas, além das deficiências da malha
rodoviária, é que no transporte até os portos, o caminhão vai com soja e volta
com fertilizantes, por exemplo. Para o Nordeste além de gastar entre 8 e 10
dias (dependendo da cidade) de viagem, a carreta sobe cheia, com milho, e volta
vazia. “Junta-se a isso a nova lei dos caminhoneiros, que reduziu a carga
horária dos profissionais e, consequentemente, diminuiu a frota de veículos
disponível para o transporte no Brasil”, afirma o presidente da Sociedade Rural
Brasileira (SRB), Cesário Ramalho.
Para tentar resolver o problema no Nordeste, a Conab, do
Ministério da Agricultura, decidiu fazer três leilões para aquisição do
produto, com cláusulas que obrigam o vendedor a entregar o produto na região.
No primeiro, realizado no fim de março, o governo comprou 50 mil toneladas de
milho por R$ 43 a saca – em Campinas, uma das referências nacionais, o preço é
de R$ 25. Na quarta-feira, 17, a Conab promove outro certame para 103 mil
toneladas de milho, que deverão ser entregues nos portos do Nordeste. A
expectativa é usar a cabotagem para fazer o transporte. “Neste caso, vamos
fazer uma doação aos Estados que poderão vender o produto a R$ 18,12 a saca”,
afirma o diretor de Operações e Abastecimento da Conab, Marcelo de Araújo Melo.
Ele completa que ainda haverá outro leilão para compra de mais 70 mil toneladas
nos moldes da primeira disputa. “O governo está sendo ágil. Agora precisamos
rezar para chover.”
Mais caminhões Na opinião dos produtores locais, será
preciso muito mais para resolver os problemas. “Só entre os pequenos produtores
a demanda é de 300 mil toneladas de milho”, afirma o presidente da Associação
Cearense de Avicultura, João Jorge Reis. Para ele, a situação tende a piorar
daqui para frente, se não chover na região. Com a produção de soja sendo
escoada para os portos e o início da safra de açúcar, a demanda por caminhões
vai aumentar. “Seremos duplamente sacrificados, ou pelo aumento do preço do
frete ou pela falta do produto.”
Ele explica que durante muitos anos o Nordeste foi abastecido
pela importação de milho da Argentina, de 15 em 15 dias. A partir de 1995, a
compra foi suspensa e os produtores passaram a adquirir milho do Centro-Oeste.
Em 2007, essa parceria terminou. “O governo parou de comprar milho e fazer
estoque. Agora estamos nessa situação.” A solução apresentada por Reis e por
Ramalho, da SRB, é voltar a importar milho do país vizinho, apesar de os
produtores de grãos terem o produto estocado.
Fonte: Agência Estado
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