O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de Porto
Alegre, mandou incluir no cálculo da aposentadoria o trabalho na infância. A
decisão levanta polêmica entre especialistas em razão do ativismo judicial e da
legitimação da exploração de crianças. A medida vale para todo o país.
Na prática, os desembargadores proibiram, em julgamento no
dia 9 de abril, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) de fixar idade
mínima para contagem dos anos de serviço e contribuição. O INSS foi notificado
na quarta-feira (18) e ainda cabe recurso.
A relatora do acórdão, desembargadora federal Salise
Monteiro Sanchotene, afirma que regras editadas para proteger crianças“não
podem prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição
constitucional e legal, efetivamente, trabalharam durante a infância ou a
adolescência”.
Ela afirma que o trabalho infantil se faz presente no Brasil
e lembra que, apesar das normas protetivas, crianças são levadas pelos pais a
auxiliar no sustento da família nos meios rural e urbano. “Além disso, há
aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários”, escreve Sanchotene.
No Brasil, porém, o trabalho só é legalmente reconhecido
após os 16 anos de idade. Na condição de aprendiz, é autorizado a partir dos
14. Pela jurisprudência, entram nos cálculos de benefícios previdenciários
atividades exercidas depois dos 12 anos.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), 1 milhão de crianças trabalhavam no país em 2017.
Essa conciliação em torno da proibição do trabalho das
crianças e do reconhecimento do direito previdenciário leva a críticas à
decisão.”Os pais de atores mirins terão incentivo para colocar seus filhos
nessa atividade”, diz Sérgio Firpo, professor de economia do Insper. “De um
lado, proíbe-se o trabalho infantil. De outro, legitima-se até atividade
considerada ilegal, exploração. A decisão é, no mínimo, polêmica.”
Para ele, cabe ao Estado combater essa prática recorrente.
“Se quiser incorporar o direito (de contagem do tempo), tem de tributar o
empregador, punir civil e criminalmente. Tem de ir atrás daqueles que empregam
ou empregaram crianças”, afirma Firpo.
O professor ataca também a decisão do tribunal de dar ganho
de causa para o MPF (Ministério Público Federal) -a ação civil pública foi
ajuizada em 2013- sem verificar os impactos financeiros da medida sobre o INSS.
Para o professor de direito do trabalho da FGV/EAESP Jorge
Boucinhas, o ativismo judicial ocorre de forma inoportuna, no acórdão, em razão
do momento político e econômico atual do Brasil.
“Essa decisão tem um potencial devastador para o Judiciário.
Ela joga combustível na discussão sobre o seu limite na construção de políticas
públicas”, afirma. De acordo com ele, em outro contexto histórico, a medida
teria um impacto explosivo menor. “Se se tratasse de um caso isolado, a tutela
do direito é compatível”, diz. “A crítica é em relação à extensão da decisão
nesse momento.” Boucinhas, contudo, diz que o julgado tem fundamentos válidos e
não fere a Constituição.
Ele afirma ainda que, embora o trabalho infantil seja um
problema social, o número de beneficiários será restrito. Hoje, a regra de
aposentadoria por tempo de contribuição exige 30 anos de serviço de mulheres e
35 de homens, mais a aplicação do fator previdenciário.
Ativismo
De acordo com Marcus Orione Gonçalves Correia, professor de
seguridade social da USP, a decisão não deve ser tachada de ativismo
judicial.”Não há qualquer ativismo judicial, na medida em que o Supremo sempre
trabalhou com a questão a partir de princípios. E um princípio básico: se você
tem uma norma de proteção que protege o menor que só poderá começar a trabalhar
a partir daquela idade, aquele que é protegido não pode ser prejudicado pelo
descumprimento da norma de proteção”, diz Correia.
Para Renato Follador, consultor previdenciário, o impacto da
medida nas contas da Previdência deve ser limitado.
“Quando se amplia o número de pessoas que podem incluir mais
anos de trabalho no INSS, óbvio que isso aumenta as despesas e,
consequentemente, o déficit. Mas esse será também um universo limitado de
pessoas. Não haverá explosão das contas públicas”, diz.
Fonte: Folha-PE/ gonzagapatriota.com.br
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