Patativa do Assaré
Se o poeta
marinheiro
Canta as
belezas do mar,
Como poeta
roceiro
Quero o meu
sertão cantar
Com respeito
e com carinho.
Meu abrigo,
meu cantinho,
Onde viveram
meus pais.
O mais puro
amor dedico
Ao meu
sertão caro e rico
De belezas
naturais.
Meu sertão
das vaquejadas,
Das festas
de apartação,
Das alegres
luaradas,
Das debulhas
de feijão,
Das Danças
de São Gonçalo,
Das corridas
de cavalo
Das caçadas
de tatu,
Onde o
caboclo desperta
Conhecendo a
hora certa
Pelo canto
do nambu.
É diferente
da praça
A vida no
meu sertão;
Tem graça,
tem muita graça
Uma Noite de
São João.
No clarão de
uma fogueira,
Tudo dança a
noite inteira
No mais
alegre pagode,
E um cacoclo
bronzeado
Num
tamborete sentado
Tocando no
pé de bode.
Os que não
querem dançar
Divertem com
adivinha,
Outros
brincam a soltar
Foguete
traque e chuvinha.
A mulher
quer ser comadre
E o homem
quer ser compadre,
Um ao outro
dando a mão.
Assim, o
festejo cresce
E o sertão
todo estremece
Dando viva a
São joão.
Se por
capricho da sorte,
Eu sertanejo
nasci,
Até chegar
minha sorte
Eu hei de
viver aqui,
Sempre
humilde e paciente
Vendo, do
meu sol ardente
E da lua
prateada,
Os belos
encantos seus
E escutando
a voz de Deus
No canto da
passarada.
Aqui, do
mundo afastado,
Acostumei-me
a viver,
Já nasci
predestinado,
Sabendo amar
e sofrer.
Neste meu
sertão bravio,
Nas belas
tardes de estio,
Da chapada
ao tabuleiro,
Eu louvo,
adoro e bendigo
O ladrar do
cão amigo
E o aboiar
do vaqueiro.
Se a clara
noite aparece,
Temos a
mesma beleza.
Tudo é riso,
paz e prece,
E a festa da
natureza
Seu compasso
continua.
A noturna
mãe-de-lua
Solta o seu
canto agoureiro,
Sua funérea
risada,
Vendo a
filha imaculada
Brilhando o
sertão inteiro.
Que prazer!
que grande gozo,
Que bela e
doce emoção,
Ouvir o
canto saudoso
Do galo do
meu sertão,
Na risonha
madrugada
De uma noite
enluarada!
A gente
sente um desejo,
Um desejo de
rezar
E nesta
prece jurar
Que Jesus
foi Sertanejo.
Meu sertão,
meu doce ninho,
De tanta
beleza rude,
Eu conheço o
teu carinho,
Teu amor tua
virtude.
Eu choro
triste, com pena,
Ao ver a tua
morena
Sem letra e
sem instrução,
Boa, meiga,
alegre e terna
Torcendo um
fuso na perna,
Fiando o
branco algodão.
Cantei
sempre e hei de cantar,
O que o meu
coração sente,
Para mais
compartilhar
Do sofrer de
minha gente.
Com as rimas
do meu canto
Quero
enxugar o meu pranto,
Vivendo só
na saudade
Com esta
gente querida,
Modesta e
destituída
De orgulho,
inveja e vaidade.
Esta gente
boa e forte
Para
enfrentar conseqüência,
Que zomba da
própria sorte
Com sobrada
paciência,
Que trabalha
e não se cansa,
Porque a sua
esperança
É sempre a
safra vindoura;
O sonho do
sertanejo,
Seu castelo
e seu desejo
É sempre o
inverno e a lavoura.
Desta gente
eu vivo perto,
Sou
sertanejo da gema
O sertão é o
livro aberto
Onde lemos o
poema
Da mais rica
inspiração
Vivo dentro
do sertão
E o sertão
dentro de mim,
Adoro as
suas belezas
Que valem
mais que as riquezas
dos reinados
de aladim.
Porém, se
ele é um portento
De riso,
graça e primor,
Tem também
seu sofrimento,
Sua mágoa e
sua dor.
Esta gleba
hospitaleira,
Onde a fada
feiticeira
Depositou
seu condão,
É também um
grande abismo
Do triste
analfabetismo,
Por falta de
proteção.
Sou
sertanejo e me orgulho
Por conhecer
o sertão
Durmo na
rede e me embrulho
Com um
lençol de algodão.
De alpercata
de rabicho
Penetro no
carrapicho,
Sofrendo a
vida penosa
Do trabalho
do roçado
E por isso
sou chamado
Poeta de mão
calosa.
Da mais
cruel desventura
Conheço o
amargo sabor,
Pois vivo da
agricultura,
Sou poeta
agricultor.
Eu sei com
toda certeza
Como é que
vive a pobreza
Do sertão do
Ceará,
A sua
manutenção
É o almoço
de feijão
E a janta de
mugunzá.
Sou
sertanejo e conheço
Meu sertão
de carne e osso,
Trabalho
muito e padeço
Com a canga
no pescoço,
E trago no
pensamento
Meu irmão do
sofrimento
Que, no duro
padeçer,
Levando o
peso da cruz,
É quem
trabalha e produz
Para a
cidade comer.
Eu não
ignoro nada
Deste sertão
sofredor
Que puxa o
cabo da enxada
Sem arado e
sem trator.
Pobre sertão
esquecido
Que ja está
desiludido
E não
acredita mais
Nas
promessas e nos tratos
E juras de
candidatos
Nas festas
eleitorais.
Meu sertão
da sariema,
Sertão
queimado do sol,
que não
conhece cinema,
Teatro, nem
futebol,
Sertão de
doença e fome
Onde o pobre
asssina o nome
Com uma pena
na mão,
Para,
enganado e inocente
Dar um voto
inconsciente
Quando é
tempo de eleição.
Este sertão
que persiste
Soltando os
mesmos gemidos
É qual
purgatório triste
Das almas
dos desvalidos.
Ele não tem
providência
De remédio
ou de assistência
Pra sua
gente roceira,
Dentro do
mais pobre quarto
A mulher
morre de parto
Nos braços
da cachimbeira.
Do livro
" CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ"
Filosofia de
um trovados nordestino
13º
Edição -
Editora Vozes
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário.