11/03/2012

PAJEÚ ON-LINE POESIA: "O RETRATO DO SERTÃO”


Patativa do Assaré
Se o poeta marinheiro
Canta as belezas do mar,
Como poeta roceiro
Quero o meu sertão cantar
Com respeito e com carinho.
Meu abrigo, meu cantinho,
Onde viveram meus pais.
O mais puro amor dedico
Ao meu sertão caro e rico
De belezas naturais.

Meu sertão das vaquejadas,
Das festas de apartação,
Das alegres luaradas,
Das debulhas de feijão,
Das Danças de São Gonçalo,
Das corridas de cavalo
Das caçadas de tatu,
Onde o caboclo desperta
Conhecendo a hora certa
Pelo canto do nambu.

É diferente da praça
A vida no meu sertão;
Tem graça, tem muita graça
Uma Noite de São João.
No clarão de uma fogueira,
Tudo dança a noite inteira
No mais alegre pagode,
E um cacoclo bronzeado
Num tamborete sentado
Tocando no pé de bode.

Os que não querem dançar
Divertem com adivinha,
Outros brincam a soltar
Foguete traque e chuvinha.
A mulher quer ser comadre
E o homem quer ser compadre,
Um ao outro dando a mão.
Assim, o festejo cresce
E o sertão todo estremece
Dando viva a São joão.

Se por capricho da sorte,
Eu sertanejo nasci,
Até chegar minha sorte
Eu hei de viver aqui,
Sempre humilde e paciente
Vendo, do meu sol ardente
E da lua prateada,
Os belos encantos seus
E escutando a voz de Deus
No canto da passarada.

Aqui, do mundo afastado,
Acostumei-me a viver,
Já nasci predestinado,
Sabendo amar e sofrer.
Neste meu sertão bravio,
Nas belas tardes de estio,
Da chapada ao tabuleiro,
Eu louvo, adoro e bendigo
O ladrar do cão amigo
E o aboiar do vaqueiro.

Se a clara noite aparece,
Temos a mesma beleza.
Tudo é riso, paz e prece,
E a festa da natureza
Seu compasso continua.
A noturna mãe-de-lua
Solta o seu canto agoureiro,
Sua funérea risada,
Vendo a filha imaculada
Brilhando o sertão inteiro.

Que prazer! que grande gozo,
Que bela e doce emoção,
Ouvir o canto saudoso
Do galo do meu sertão,
Na risonha madrugada
De uma noite enluarada!
A gente sente um desejo,
Um desejo de rezar
E nesta prece jurar
Que Jesus foi Sertanejo.

Meu sertão, meu doce ninho,
De tanta beleza rude,
Eu conheço o teu carinho,
Teu amor tua virtude.
Eu choro triste, com pena,
Ao ver a tua morena
Sem letra e sem instrução,
Boa, meiga, alegre e terna
Torcendo um fuso na perna,
Fiando o branco algodão.


Cantei sempre e hei de cantar,
O que o meu coração sente,
Para mais compartilhar
Do sofrer de minha gente.
Com as rimas do meu canto
Quero enxugar o meu pranto,
Vivendo só na saudade
Com esta gente querida,
Modesta e destituída
De orgulho, inveja e vaidade.

Esta gente boa e forte
Para enfrentar conseqüência,
Que zomba da própria sorte
Com sobrada paciência,
Que trabalha e não se cansa,
Porque a sua esperança
É sempre a safra vindoura;
O sonho do sertanejo,
Seu castelo e seu desejo
É sempre o inverno e a lavoura.

Desta gente eu vivo perto,
Sou sertanejo da gema
O sertão é o livro aberto
Onde lemos o poema
Da mais rica inspiração
Vivo dentro do sertão
E o sertão dentro de mim,
Adoro as suas belezas
Que valem mais que as riquezas
dos reinados de aladim.

Porém, se ele é um portento
De riso, graça e primor,
Tem também seu sofrimento,
Sua mágoa e sua dor.
Esta gleba hospitaleira,
Onde a fada feiticeira
Depositou seu condão,
É também um grande abismo
Do triste analfabetismo,
Por falta de proteção.

Sou sertanejo e me orgulho
Por conhecer o sertão
Durmo na rede e me embrulho
Com um lençol de algodão.
De alpercata de rabicho
Penetro no carrapicho,
Sofrendo a vida penosa
Do trabalho do roçado
E por isso sou chamado
Poeta de mão calosa.

Da mais cruel desventura
Conheço o amargo sabor,
Pois vivo da agricultura,
Sou poeta agricultor.
Eu sei com toda certeza
Como é que vive a pobreza
Do sertão do Ceará,
A sua manutenção
É o almoço de feijão
E a janta de mugunzá.

Sou sertanejo e conheço
Meu sertão de carne e osso,
Trabalho muito e padeço
Com a canga no pescoço,
E trago no pensamento
Meu irmão do sofrimento
Que, no duro padeçer,
Levando o peso da cruz,
É quem trabalha e produz
Para a cidade comer.

Eu não ignoro nada
Deste sertão sofredor
Que puxa o cabo da enxada
Sem arado e sem trator.
Pobre sertão esquecido
Que ja está desiludido
E não acredita mais
Nas promessas e nos tratos
E juras de candidatos
Nas festas eleitorais.

Meu sertão da sariema,
Sertão queimado do sol,
que não conhece cinema,
Teatro, nem futebol,
Sertão de doença e fome
Onde o pobre asssina o nome
Com uma pena na mão,
Para, enganado e inocente
Dar um voto inconsciente
Quando é tempo de eleição.

Este sertão que persiste
Soltando os mesmos gemidos
É qual purgatório triste
Das almas dos desvalidos.
Ele não tem providência
De remédio ou de assistência
Pra sua gente roceira,
Dentro do mais pobre quarto
A mulher morre de parto
Nos braços da cachimbeira.

Do livro " CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ"
Filosofia de um trovados nordestino
13º Edição  -  Editora Vozes

Fonte: http://www.blogfariasbrito.com/

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